segunda-feira, 22 de junho de 2009

Projecto - "Michelito"


http://jn.sapo.pt/PaginaInicial/Sociedade/Interior.aspx?content_id=1269707

Por dificuldades relacionadas com o envio para o endereço de e-mail da TVI (devolvido, não entregue) ,
fica aqui ao dispôr de todos uma analise ao Projecto ...


Michelito proibido de ir ao "Teatro dos Sonhos "
mas foi às "Tardes da Júlia".

Uma pornografia psicológica

Caros Sr(s):

Venho apresentar a minha indignação perante a entrevista, no Programa “Tardes da Júlia” de 19.06.09, no mínimo surreal e inconsequente, a uma criança de 11 anos, que por acaso é toureiro...
A triste criancinha, perdoem-me o sarcasmo, afirmou já ter cortado um número infindável de orelhas e rabos de touros e, isto perante alguns entusiastas comentadores residentes do programa, como por exemplo a Srª Dª Cinha Jardim (sabe-se lá porquê e em que assuntos é especialista para lhe ser atribuído tal papel...eu até poderia aventurar hipóteses mas não é aqui o local nem o momento adequado).
Michelito, assim se chama o menino, foi ontem proibido de tourear no Campo Pequeno, pela Comissão de Protecção de Menores. A publicidade apresentava-o como “Michelito no Teatro dos Sonhos”...!
Ora bem, que já sabemos que a TVI presta uma programação duvidosa ao nível do entretenimento, é um facto incontornável. Agora, que apresente efusivamente actividades de trabalho infantil e crianças a vangloriar-se de maus-tratos contra animais, seja em touradas ou em qualquer outra “actividade”, é INDECOROSO e “deformador” do desenvolvimento psicológico de crianças e adolescentes que assistem a estes programas.
Há filmes que passam na TVI “com bolinha” que são autênticos desenhos animados, comparando com esta forma de “pornografia psicológica”. O “uso” e exposição de uma criança, num programa de entretenimento que, ingenuamente, refere actos de uma violência atroz contra animais, no contexto de uma actividade que usualmente pratica - a tauromaquia - não me merece outra qualificação.
O ambiente que rodeia uma criança ou adolescente, com a personalidade em formação e ainda sem julgamento crítico, vai condicionar o comportamento da mesma. As mensagens veiculadas pelos media, nomeadamente pela TV e por crianças, têm, como é sabido, grande impacto nas crianças e vão influenciar decisivamente as suas atitudes, valores e opiniões, por modelagem e aprendizagem social.
E isto, caros senhores, quer se seja pró ou contra a tauromaquia.
Não é só disso que se trata. Estamos, de facto, a falar de comportamentos que afectam negativamente o desenvolvimento moral, social e da personalidade das crianças e adolescentes. A visualização e o reforço positivo destes comportamentos pela difusão na TV dificultam a sua capacidade em empatizar com o sofrimento e as necessidades dos outros.
Mais grave ainda, é estarmos a veicular constantemente valores e mensagens contraditórias, confundindo a criança. Assim, na escola e sociedade em geral, já se vai proclamando e incutindo o respeito e solidariedade para com os animais, a natureza, o respeito pelas necessidades do outro, a educação para a cidadania e ecologia, etc. Por outro lado, deparamo-nos com programas de entretenimento que convidam “criancinhas” (obviamente com todo o interesse financeiro e conivência dos seus educadores) em situação de trabalho infantil e a vangloriar-se de infligir sofrimento a um animal. A Psicologia chama a isto mensagens double bind ou esquizofrenizantes, que se revestem de repercussões psicológicas graves, no imediato e na idade adulta.
Mais ainda, e agora permitam-me concretizar, a visualização deste tipo de violência (e sim, agora estou a falar de touradas na TV) provoca nas crianças comportamentos agressivos para com os seus pares, ansiedade basal elevada, anestesia e indiscriminação afectiva, habituação e incitamento à violência, dificuldade em distinguir o “bem” do “mal”. E há estudos a demonstrá-lo (Grana, Cruzado, Andreu, Rivas, Pena & Brain (2004). Effects of viewing videos of bullfight on spanish children. Agressive Behavior, 30, 16-28).
Não é meu propósito escrever um tratado sobre “Como tornar uma criança num adulto psicopata”. Deixo isso para os meus colegas especialistas.
Sei que estamos a atravessar um período de crise no sector da educação. E esta situação que lamento e trago a lume é disso paradigmática; o Sistema de Ensino não pode arcar com tudo. A EDUCAÇÃO não se esgota na escola, mas cria-se na sociedade em geral.
E é lamentável que, para além de estarmos a formar(?) futuros adultos analfabetos em muitos sentidos, estejamos também a criar adultos com problemas de saúde mental.


Com os melhores cumprimentos


Sílvia Costa

(Psicóloga Clínica)

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